Murilo Borges - Silas, quando o projeto "Atletas de Cristo" começou?
Paulo Silas - Na verdade, eu não tive nada a ver com o começo do projeto. Tudo foi iniciado com o João Leite (ex-goleiro do Atlético Mineiro) e com o Baltazar (ex-atacante do Grêmio), lá para o final da década de 70. Mas o grupo se formou mesmo em 1984.
MB - E onde você entra neste processo?
Silas - Entrei em 1985, quando fui para o São Paulo. Estava começando nos profissionais, junto com o Muller (ex-atacante do São Paulo e da Seleção Brasileira). O Alex Dias Ribeiro (ex-piloto) estava em São Paulo e se juntou a nós. A gente se reunia em uma casa perto do Morumbi mesmo, para congregar.
MB - Já sofreu algum tipo de preconceito?
Silas - Não, isso nunca existiu. Bem no começo, era mais difícil, principalmente pelo Brasil ser um país católico. A gente era evangélico, isso não existia muito no futebol. Mas nunca teve preconceito, jamais.
MB - Como era a rotina dos Atletas de Cristo?
Silas - A gente fazia reuniões semanais, normalmente às segundas-feiras, por causa das muitas atividades que cada um tinha. Além disso, sempre realizamos congressos anuais, em cidades diferentes, para unir todos os atletas pelo Brasil.
MB - Quem participava do grupo?
Silas - Ah, eram vários... Por exemplo: no Rio de Janeiro, tinha o Jorginho (lateral campeão do mundo pelo Brasil, em 94, e hoje auxiliar-técnico da própria Seleção); em Porto Alegre, tinha o Taffarel (goleiro campeão do mundo pela Seleção, em 94); em Minas, tinha o João Leite, que organizada tudo. Tinha também o Ivan (ex-lateral-esquerdo do São Paulo) no Recife, o Mauro Madureira (ex-ponta direita do São Paulo) em Curitiba... eram vários, no Brasil inteiro.
MB - Quem comanda as atividades hoje?
Silas - Hoje, quem faz as atividades é o Paulo Sérgio, que jogava no Corinthians e foi da Seleção em 94. Ele organiza os congressos e reúne os ex-jogadores em peladas durante o ano, como uma Seleção Brasileira de Masters. (Na verdade, Paulo Sérgio ocupa o cargo de Diretor Executivo. Jorginho é o presidente, enquanto Silas é o vice). Os congressos são sempre no final do ano, quando acabam os campeonatos.
MB - Em que momento da sua formação a religião te ajudou?
Silas - Ajuda, primeiramente, no padrão de comportamento, na ética. Ajuda o cara a procurar os lugares certos, verdadeiros, basear sua vida sempre na verdade. Como Ministério, os Atletas de Cristo ajudam desde aqueles que estão começando na carreira até os que estão se aposentando. Ajuda contra depressão, que é a doença do século, problemas pessoais, falta de dinheiro, infidelidade...
MB - Por ser técnico do Avaí, você tem menos tempo para participar do grupo. Qual é a sua contribuição, mesmo à distância?
Silas - Ajudo mais como exemplos, sendo neutro. Como técnico de futebol, preciso saber lidar com todas as religiões. Procuro ser equilibrado, saber separar o lado profissional e o lado religioso. Eu sou evangélico desde criança, minha família é evangélica, e isso só tem me ajudado ao longo da minha carreira. Mas não posso convencer ninguém a ser como eu. Cada um faz o seu caminho.
MB - Dentro dos chamados Atletas de Cristo, existem perfis diferentes de jogadores. Alguns gostam de falar de religião, mas se transformam quando entram em campo. Como você avalia este tipo de postura?
Silas - Olha... eu sempre respondo por mim apenas, tanto como jogador quanto como treinador. Errar é humano, todos erram, não importa a religião. Os atletas de futebol são mais visíveis, e por isso todo mundo vê com mais freqüência. E às vezes isso é associado à religião. Isso (errar) é do ser humano, não tem como impedir. Quando se toma uma pancada, o primeiro pensamento é sempre de revidar. Acontece com todo mundo.
MB - Como é o relacionamento entre os Atletas de Cristo?
Silas - O relacionamento é legal. A gente costuma conversar bastante, dar conselhos um ao outro. Antes de ser jogador, precisamos ser de Cristo. Por isso é que o relacionamento é bacana.
MB - Quem atualmente é o principal expoente dos Atletas de Cristo?
Silas - Sem dúvida, é o Kaká (meia do Milan-ITA e da Seleção, campeão do mundo em 2002). Tem outros também, como o Hernanes (meia do São Paulo), o Josiel (atacante do Flamengo), o Ibson (meia do Flamengo) não é, mas ajuda os Atletas de Cristo sempre que pode. Isso é legal: ajudar de coração, entrar no grupo por uma boa causa. O Jorginho, por exemplo, tem uma história muito bacana. O irmão dele era alcoólatra, e hoje é pastor.
MB - Há espaço para as outras religiões além do Evangelho?
Silas - É aberto para todos. A ideia principal é a aproximação com Deus. Existe uma ordem, evidentemente. Cada um tem seus mandamentos, que segue à risca, mas o Deus é o mesmo. Não se discute Igreja Católica ou Igreja Evangélica. Ninguém aponta o dedo pra ninguém, não há descriminação. Lá, é entre a pessoa e Deus. Até porque o objetivo da religião é congregar.
MB - Mas os atletas não-evangélicos participam das reuniões?
Silas - Claro que sim. Vou te falar: muita gente que você nem acredita já participou dos encontros. Romário (atacante campeão do mundo pela Seleção, em 1994) ia direto aos encontros. Outro que aparecia sempre era o Rivaldo (meia campeão do mundo pela Seleção, em 2002). Ele até falava que não ia se converter, que ia apenas para acompanhar. Nunca houve problema. O próprio Ibson ajuda direto o grupo, mas não se envolve tão diretamente. Há espaço para todo mundo.
FOTO: FUTEBOL INTERIOR
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